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Sindrome de Asperger

Sindrome de Asperger

 

A Síndrome de Asperger (SA) foi descrita, pela primeira vez, em 1920, por um Neurologista Russo - Schucharewa - como uma perturbação da personali­dade do tipo esquizóide, de afastamento das relações sociais e um leque res­trito da expressão emocional em situações interpesso­ais. Em 1944, Hans Asperger, um Pediatra Austríaco, relatou vários casos de “psicopatia autística infantil”. Em 1981, a pedopsiquiatra britânica L. Wing denominou esta perturbação como Síndrome de As­perger, em homenagem ao insigne pediatra vienense.

Esta síndrome faz parte das perturbações globais do desenvolvimento e corresponde a alterações a nível do comportamento social e das áreas de interesse.

Estudos epidemiológicos recentemente efectuados revelaram que a prevalência da SA na população ge­ral poderá ser superior a 0,5%. Ao transpormos estes dados para Portugal, haverá, no nosso País, mais de 50.000 pessoas com esta perturbação. Verificou-se, também, que os indivíduos do sexo masculino são cerca de quatro vezes mais atingidos que os do sexo feminino.

A Organização Mundial de Saúde e a As­sociação Americana de Psiquiatria apresentam como cri­térios de diagnóstico, nomeadamente, o sistema classificativo DSM-IV:

a) Alteração qualitativa da interacção social manifestada por, pelo menos, dois dos itens seguintes:

- Alteração marcada de diversos comportamentos não-verbais, como, por exemplo, o contacto visual, a ex­pressão facial, a postura corporal e os gestos que regulam a interacção social.

- Incapacidades no desenvolvimento de relações so­ciais com colegas do mesmo nível de desenvolvimento.

- Menor procura da partilha do lazer, interesses ou aquisições com outras pessoas (não mostrar, não apontar objectos de interesse a outras pessoas).

- Reciprocidade social e emocional pobres.

b) Padrões de comportamento, interesses e actividades repetitivos, restritos e estereotipados, manifestados por, pelo menos, um dos seguintes itens:

- Preocupação absorvente com um ou mais padrões de interesses e actividades restritos e estereotipados, que é anormal na intensidade e como foco de atenção.

- Aderência inflexível a rotinas ou a rituais específicos não funcionais.

- Maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por exemplo, estalar ou rodar os dedos, movimentos cor­porais complexos, etc...).

- Persistente preocupação com partes de objectos.

c) Esta perturbação causa alterações importantes no relacionamento social, ocupacional e outras áreas funcio­nais.

d) Não existe um atraso significativo da linguagem.

e) Não existe um atraso significativo no desenvolvimento cognitivo ou na aquisição das funções adaptativas, da auto­nomia ou da curiosidade relativa ao ambiente.

f) Estas manifestações não se enquadram melhor nos critérios de diagnóstico de outra perturbação pervasiva do desenvolvimento ou da esquizofrenia.

 

Importa sublinhar que cada criança ou adolescente não manifesta todos os comportamentos atrás referidos, mas apenas alguns, tais como evitar o contacto ocular; exibir gestos, tiques ou mímicas faciais estranhos; apresentar uma expressão facial pobre, inabilidade ou falta de interesse no relacionamento com os colegas; dificuldade em manter ou gerir adequadamen­te as relações, em interpretar sentimentos; tendência para se iso­lar ou brincar sozinho. Gostam de estar ou de brincar com as crianças mais novas ou com as mais velhas e menos com as da mesma ida­de. Têm, geralmente, dificuldades na interiorização das regras sociais, mas uma vez apreendidas cumprem-nas com rigidez exagerada. Tem sido referido, algumas vezes, um comportamento curioso e peculiar: a interrupção inapropriada e muito frequente das actividades dos adultos, designadamente dos professores no ambien­te da sala de aula (por exemplo, podem interromper o professor, durante a apresentação da matéria, umas trinta vezes em cinco minutos). Parecem esperar que os outros saibam os seus sentimentos. Por vezes, são descritos como excessivamente calados; outras ve­zes, como particularmente faladores. Frequentemen­te, são descritos comportamentos excêntricos. Os familiares, sobretudo os pais, descrevem, com frequência, um relacionamento mais frio (distante, seco) com as pessoas que lhes estão próximas. De um modo geral, gostam de festas de anos, mas, mui­tas vezes, arranjam conflitos ou desentendimentos com os pares, acabando a brincar sozinhos, isolados. Um número significativo não gosta de contacto físico. Muitas das crianças com SA são descritas como tendo um comportamento social e emocional inapro­priado, apresentando dificuldades na expressão das emoções. Muito frequentemente, as crianças com SA apre­sentam um grande fascínio por movimentos, sobretu­do repetitivos (da máquina de lavar roupa, das ven­toinhas, dos pêndulos, das hélices dos aviões) por luzes e por objectos brilhantes, por números e por ordenações numéricas,  por alinhamento de objectos, milimetricamente, por vezes segundo determinada ordem e sem qualquer justificação, por determinados temas ou acontecimentos, cumprimento de  rotinas ou rituais rígidos, de que são meros exemplos: sentar-se sempre no mesmo sí­tio, colocar o casaco no mesmo cabide… Com frequência  sentem uma grande ansiedade pela mudança de rotinas.

Uma manifestação comportamental muito preva­lente é  as estereo­tipias motoras e vocais (movimentos ou sons repeti­dos, rítmicos, por vezes confundidos com tiques). São exemplos: “flapping” (abanar) das mãos; andar à roda; correr em círculo; balanceamentos; maneirismos com os dedos; gesticular com os dedos; sapateado; enrolar o próprio cabelo ou de outro; rodar objectos; andar em bicos de pés; imi­tar os sons de animais ou de máquinas; imitar as vo­zes dos desenhos animados; movimentos dos globos oculares; puxar as orelhas; movimentos como lavar as mãos; etc. Com menos frequência, apresentam um interesse intenso por partes de objectos: pontas de lá­pis; tampas de esferográficas, peças de lego; pedaços de cordas; pedaços de giz; rolinhos de papel higiénico, entre outros. Por vezes, trazem inúmeros objectos nos bolsos.

Em consequência da sua inabilidade social, fre­quentar a escola ou uma associação desportiva, pode tornar-se extremamente penoso. Muitas vezes, devido aos seus comportamentos, são objecto de discrimina­ção por parte das outras crianças.

Relativamente ao desenvolvimento da linguagem, verifica-se que, numa grande proporção, há um atra­so. Todavia, pelos cinco anos, a linguagem não apre­senta, numa perspectiva formal, grandes desvios da normalidade. São comuns conversas sem nexo, sem sentido, desajustadas dos temas evocados (corres­pondem a perturbações semântico-pragmáticas). A prosódia (entoação) poderá ser bizarra, peculiar, es­tranha, pedante ou excêntrica, com um timbre, um rit­mo ou uma entoação invulgares, em regra monótona, com precisão excessiva de cada sílaba. Com grande frequência, fazem uma utilização tardia ou não utiliza­ção dos pronomes pessoais. É referido, muitas vezes, um discurso repetitivo ou a repetição de palavras ou frases. Não raramente, fazem uma interpretação literal das frases e das expressões idiomáticas (podem ficar confundidos com expressões como “o rei vai nu”, “os olhos também comem” ou “ter o rei na barriga”). Amiú­de, manifestam dificuldades na compreensão verbal.

Em mais de metade dos casos, há sérias dificulda­des de aprendizagem da leitura, da escrita e, menos frequentemente, do cálculo. Num bom número de ca­sos, estão descritas grandes facilidades ou maiores facilidades e interesse por números (algumas crianças conseguem verdadeiros prodígios com os números e são, por isso, apodadas de génios). A larga maioria apresenta uma boa memória visual.

De entre os problemas associados, há que subli­nhar, pela sua frequência, a hiperactividade. Os me­dos excessivos e injustificados (sons altos, determi­nada música, visão de certos objectos...) são também muito prevalentes. Algumas crianças cheiram objectos de uma forma indiscriminada. Outras apresentam uma marcada insensibilidade à dor. Frequentemente, é descrito um desajeitamento motor (menor habilidade para jogar à bola, má caligrafia...).

A SA, de um ponto de vista nosológico, pertence ao espectro do autismo. Torna-se difícil, em alguns ca­sos, distinguir esta síndrome das formas de autismo com elevado funcionamento. Todavia, um bom funcio­namento cognitivo, associado a uma linguagem for­malmente adequada, ajudam a formular o diagnóstico de SA.

A intervenção nesta perturbação do desenvolvimen­to passa pela informação aos pais, aos educadores e ao próprio e pelo respeito pelas diferenças. Em casa, deve manter-se uma grande interacção com a criança, in­centivando-a a ter mais do que um interesse e promo­vendo a relação com os seus pares (fazendo convites para um convívio em casa, por exemplo). Na escola, deve motivar-se a criança para os trabalhos em grupo e para os jogos, executando-se, concomitantemente, e se necessário, uma intervenção pedagógica espe­cífica (treino da consciência fonológica, por exemplo). Devem fomentar-se as actividades extracurriculares de carácter lúdico, por forma a promover o aumento da tolerância social e a facilitação do processo de in­clusão (inscrevendo-a num grupo de escuteiros, por exemplo).

Não raramente, pode ser necessária uma interven­ção psicológica do tipo cognitivo-comportamental.