Sobredotação
1. – Sobredotação: um conceito de difícil delimitação
A definição do conceito de sobredotação não é fácil em virtude de múltiplos factores, dos quais se destaca:
● O conceito sofreu transformação nos últimos decénios e não existe uma completa unanimidade entre os especialistas sobre a definição a adoptar, sendo utilizado muitas vezes como sinónimo de talentoso;
● O pouco conhecimento das suas características;
● Confusão de conceitos;
● A atitude de não aceitação e de defesa de algumas pessoas face aos sobredotados;
● A orientação mercantilista que os considera profissionais especializados
para cargos relevantes nos negócios, na política, etc.
Uma definição é uma explicitação escrita que deverá considerar os seguintes critérios (Renzulli, 1996):
● Apoiar-se na melhor investigação disponível acerca das características dos indivíduos sobredotados e não em noções românticas;
● Ser um guia de selecção e de desenvolvimento de instrumentos, assim como de procedimentos a utilizar para designar sistemas de identificação;
● Estabelecer uma direcção relacionada com as práticas de programação, como a selecção de materiais e métodos de ensino, a selecção e preparação de professores e a determinação dos procedimentos a partir dos quais os programas podem ser avaliados.
1.1. Definição
Considera-se parte fundamental de qualquer programa especial a definição operacional de sobredotação, na medida em que isto implica os sistemas de identificação e a intervenção psicopedagógica diferenciada.
São numerosas as concepções e definições de sobredotação. Não obstante, parece existir um elemento comum a todas elas: a existência de uma grande habilidade intelectual geral.
Até aos anos 60, o conceito de sobredotação traduzia uma visão reducionista, na medida em que estava associado ao elevado Quociente de Inteligência (referido a partir deste momento por Q.I.). Terman, pioneiro das primeiras investigações sobre pessoas sobredotadas, identificadas através de uma escala de Q.I., considerava que um sobredotado era aquele que possuia aptidões superiores que sobresssaíam relativamente à capacidade média das crianças da sua idade cronológica (Silva, 1999).
A partir dos anos 60, educadores e psicólogos tornam-se mais críticos relativamente ao significado e importância do Q.I., em virtude de o conceito não contemplar a diversidade de aptidões, habilidades e desempenhos cognitivos, bem como por ser difícil de referir que um teste ou escala o avalia acima de qualquer dúvida.
Para esta mudança contribuiram fundamentalmente quatro factores ( Silva, 1999; Almeida e Oliveira, 1999):
a) Surgimento de novas abordagens da inteligência em que esta é menos considerada como aptidão, como capacidade genérica da mente ou como um resultado de tipo Q.I.;
b) A objectividade, a precisão e a validade dos testes de Q.I. não são absolutas; o seu conteúdo e tipologia de actividades prendem-se com as tarefas escolares e com a experiência cultural que podem não ser comuns aos indivíduos que são avaliados; os testes de Q.I não informam totalmente sobre as capacidades cognitivas dos indivíduos, a sua experiência cognitiva ou desempenhos em situações específicas;
c) A inclusão, na psicologia e na educação, de outros factores psicológicos e sociais, para além dos cognitivos, para explicar as capacidades cognitivas e o desempenho académico e profissional dos indivíduos (Mettrau,1997);
d) A tese de que a determinação da sobredotação tem uma forte componente social, na medida em que o seu conceito está dependente do que a sociedade valoriza.
Renzulli (1978) defendeu o “modelo dos três aneis” considerando como dimensões fundamentais as capacidades intelectuais superiores, a alta criatividade e o empenhamento na tarefa. Posteriormente este modelo foi completado com a dimensão social (escola, colegas e família), denominando-se “modelo triádico”.
Gardner (1983), cujo trabalho incidiu na percepção dos domínios onde se desenvolvem os talentos e a inteligência, expôs a teoria das inteligências múltiplas em que define o potencial humano inteligente. Considera que o potencial deve capacitar o indivíduo para solucionar verdadeiros problemas e dificuldades. Destaca sete inteligências: linguística, musical, lógico- matemática, visuo-espacial, corporal-cinésica, intrapessoal e interpessoal. A inteligência não é uma dimensão unitária mas antes um conjunto de capacidades, talentos ou habilidades mentais independentes mas que interagem entre si.
Sternberg e Davidson (1987) e Sternberg e Lubart (1996) sugerem quatro noções de sobredotação: a) inteligência geral superior e habilidades excepcionais específicas nos campos da sua especialidade; b) aptidão especial para diversos tipos de habilidades; c) habilidades excepcionais para resolver problemas ou pensar de forma brilhante; d) habilidades excepcionais para compreender relações de ordem superior.
Kirk e Gallagher (1996) definem os sobredotados como indivíduos qualificados em função das suas destacadas habilidades e do seu desenvolvimento intelectual e que manifestam necessidades superiores às oferecidas pelo programa escolar, incluindo a execução demonstrada e/ ou potencial de aptidão numa das seguintes áreas: a) capacidades intelectuais gerais; b) aptidões académicas específicas; c) pensamento criativo ou produtivo; d) habilidades de liderança; e) habilidades nas artes visuais ou representativas; f) habilidades psicomotoras.
Taylor (1996) destacou a ideia de múltiplos talentos. O indivíduo que tem um talento numa actividade concreta, pode chamar-se sobredotado numa determinada área e deve por isso ser estimulado. Nos campos de talentos definidos encontram-se destrezas não específicas relacionadas com a inteligência, tais como as habilidades artísticas e motoras.
Em síntese, podemos considerar que existem dois grandes conjuntos de definições relativamente à sobredotação. O primeiro que engloba as definições nas quais se remete para uma qualidade superior de funcionamento mental geral. Assim, a sobredotação é entendida como uma realização extraordinariamente elevada num conjunto de processos mentais, nomeadamente pontuações globais em testes de rendimento e/ou de Q.I., sendo difícil de detectar e de explicar. O segundo conjunto, mais fácil de compreender e de avaliar, contempla as definições que conferem importância aos contextos educativos na avaliação desta problemática e nas respostas que estes facultam às competências dos alunos com necessidades educativas diferenciadas
Globalmente, nas definições mais significativas existem alguns pontos comuns: grande inteligência, superior a 140; criatividade e habilidades especiais. Nesta perspectiva o sobredotado é o indivíduo que se destaca pela sua inteligência superior, entendida como um conjunto de capacidades, talentos e habilidades mentais, rapidez de aprendizagem, habilidades especiais no processamento e utilização da informação, grande capacidade criativa e motivação.
1.2. Tipos /Características de Crianças Sobredotadas
Quando falamos em sobredotação é importante precisar e distinguir entre os diversos tipos e suas principais características.
O quadro que a seguir se apresenta foi elaborado com base nos elementos informativos facultados pelo professor no módulo de Necessidades Educativas Especiais.
TIPOS |
CARACTERÍSTICAS |
Sobredotado Cognitivo
Apresenta grande curiosidade intelectual, excepcional poder de observação, de abstracção e de pensamento associativo. |
|
Sobredotado para a liderança
Distingue-se pela sua capacidade para agir como líder, tanto social como académico. |
|
Sobredotado para as artes
Demonstra elevadas capacidades na pintura, escultura, desenho, dança, canto, teatro e música. |
|
Sobredotado lógico-matemático
Revela um excepcional desempenho nas Ciências Exactas, com resultados extraordinários na execução de provas e tarefas científicas. |
|
Sobredotado Psicomotor
Apresenta uma habilidade superior para o desporto, os feitos atléticos, bem como para tudo o que exija capacidades motoras. |
|
Sobredotado Criativo
Produz ideias originais e divergentes, sendo capaz de as desenvolver e percepcionar de diversas formas um determinado problema. |
|
1.3. Principais Problemas dos Sobredotados
As crianças/ jovens sobredotados apresentam alguns problemas que podem reflectir-se negativamente no seu dia-a-dia e na escola. Entre eles, saliente-se o encobrimento ou anulação das suas potencialidades quando estas lhe originam sofrimento; a procura constante de um maior perfeccionismo e a angustia daí resultante e, ainda, o isolamento num mundo próprio quando não se sente compreendido.
Estes problemas podem manifestar-se de diversas formas e confundir quem, diariamente, convive com a criança/ jovem. Este pode apresentar níveis elevados de stress que se traduzem em: oscilações de humor, dores de cabeça, dificuldades para adormecer, hipersensibilidade, ansiedade, agitação e incontinência de esfincteres. Na escola, a criança, avessa a rotinas, recusa-se a trabalhar ou apresenta um trabalho pouco cuidado em virtude de ser mais rápida a pensar do que a realizar. Pode também, por dominar um assunto, monopolizar a atenção dos outros e o trabalho em sala de aula ou, pela sua ânsia de aprender, não conseguir concentrar-se apenas num tema e, ainda, ser muito crítica e intolerante com os que não cumprem as normas.
1.4. Identificação
Face à grande diversidade de áreas na sobredotação, a sua identificação exige alguns cuidados. Na actualidade, existe algum consenso na comunidade científica relativamente à necessidade de serem consideradas três grandes dimensões, independentes, no diagnóstico do sobredotado, tal como o propõe Renzully (1978), a saber: alta inteligência, alta criatividade e alta motivação para a tarefa.
Estas dimensões podem ser detectadas por vários agentes: pais, professores, psicólogos, colegas ou pela própria criança. Numa fase inicial podemos falar de despiste (avaliação de screening), e numa fase posterior de diagnóstico mais profundo (fase de identificação, confirmação e explicitação).
A avaliação psicológica em geral, e a avaliação que visa a identificação dos alunos sobredotados em particular, deve obedecer a alguns cuidados (Almeida et al., 1999). A avaliação deve incluir o máximo possível de informações e ser objectiva, pelo que é pertinente que considere diversas dimensões dos sujeitos, não apenas as cognitivo-académicas (multidimensional), que seja feita ao longo de momentos e contextos distintos (validade ecológica), e que recorra a diversos agentes (multi-referencial). Todas estas características contribuem para que a identificação seja um processo e não uma mera decisão delimitada a um determinado momento do espaço (multi-etápica).
São necessários múltiplos meios de observação, testes e escalas validados, observação directa, empírica e comparável, como os que a seguir se referem no quadro 1.
Quadro 1
INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA IDENTIFICAÇÃO DE ALUNOS SOBREDOTADOS ( a partir de Almeida, L. S & Oliveira, E. P., 2000, p.49) |
Provas psicológicas estandardizadas na área cognitiva Provas académicas de incidência curricular Escalas de observação para pais e professores Redacção de ensaios breves (tarefas específicas) Inventários e testes de criatividade Grelhas para entrevistas de anamnese Apreciação de produções no domínio das artes Escalas de auto-avaliação (presonalidade, auto-conceito) Grelhas de observação directa da realização Relatos sobre “histórias de aprendizagens” Escalas de motivação e ocupação dos tempos livres |
Em anexo (Anexo I) encontram-se explicitados alguns exemplos dos instrumentos supra referidos.